Hotspot Cerrado

Ecossistemas únicos e ameaçados são também conhecidos como hotspots de biodiversidade.

Imagem: canva.com

Por que conservar o Cerrado?

Clima, topografia e biodiversidade

O Cerrado é a maior região de savana tropical da América do Sul, com mais de 2 milhões de quilômetros quadrados e localizando-se principalmente no Brasil, mas estendendo-se ligeiramente em partes adjacentes da Bolívia e do Paraguai.

O clima tropical é caracterizado por uma estação chuvosa seguida por uma estação seca sem quase nenhuma precipitação. A média de precipitação anual é de entre 600 e 2.000 milímetros, enquanto a média anual de temperaturas varia entre 22 e 27 graus Celsius.

Além do clima, a biodiversidade do Cerrado é influenciada pela altitude e topografia. A área central do Cerrado consiste em vastos planaltos de 300 e 1.600 metros de altitude. Estas estruturas suportam principalmente formações de savana, separadas por uma rede de planícies baixas. Além de outros tipos de vegetação, como matas e campos.

Biodiversidade

Os diversos ecossistemas do Cerrado abrigam uma grande variedade de espécies, incluindo espécies endêmicas. Embora sejam necessários estudos mais amplos para catalogar a enorme variedade de espécies, estima-se que o Cerrado abrigue mais de 12.000 espécies de plantas, sendo que mais de um terço delas são endêmicas.

A região conta com pelo menos 2.373 espécies de vertebrados, cerca de um quinto dos quais são endêmicos. O Cerrado abriga alguns grandes mamíferos emblemáticos, como o maior canídeo e felino da América do Sul, o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), assim como a onça-pintada (Panthera onca). O Cerrado abriga também o tatu gigante (Priodontes maximus), o membro mais impressionante da fauna de tatus do Cerrado.

Entre 1998 e 2008, um total de 1.300 novas espécies de vertebrados foram identificadas no Brasil. Dentre elas, 347 espécies de vertebrados foram encontradas no Cerrado, incluindo 222 novos peixes, 40 anfíbios, 57 répteis, 27 mamíferos e uma ave. Estes números indicam a importância biológica colossal da região.

Serviços Ecossistêmicos

O Perfil do Ecossistema do Cerrado, elaborado pela Conservação Internacional Brasil (CI-Brasil) e o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) para o CEPF, mostra que os serviços ecossistêmicos proporcionados pelo Cerrado são abrangentes.

Do ponto de vista hidrológico, a ecologia do Pantanal, a maior planície alagada do mundo, depende da água que flui do Cerrado, enquanto todos os afluentes do sul do Rio Amazonas, exceto dois, originam-se no Cerrado. Além disso, para grande parte do sul do Brasil, o Cerrado fornece água para o consumo e para a agricultura, através de escoamento superficial, recarga de água subterrânea e fluxos atmosféricos de vapor de água.

O Cerrado também possui grande quantidade de carbono armazenado em suas florestas, incluindo nas raízes profundas das árvores.

Além de sua alta biodiversidade, o Cerrado garante a subsistência das populações humanas dentro e fora de suas fronteiras. Localmente, os recursos da biodiversidade sustentam os meios de vida de milhões de agricultores familiares, comunidades tradicionais e povos indígenas no Cerrado, que somam cerca de 5 milhões de pessoas.

Perda de Habitats

A principal ameaça à biodiversidade do Cerrado é o desmatamento. E a maior parte da cobertura vegetal original ainda restante tem sido alvo de vários tipos de interferência. Nas últimas cinco décadas, o Cerrado tem sido a principal área de expansão agrícola e consolidação do agronegócio brasileiro, levando à perda de metade da cobertura vegetal original deste hotspot – ecossistema único e ameaçado.

Os níveis de desmatamento no Cerrado são atualmente maiores do que na Amazônia, assim como os níveis de emissões de gases de efeito estufa. Embora o Cerrado tenha poucas florestas densas, ele é igualmente ou até mais importante devido à sua biodiversidade e aos seus serviços hídricos e de carbono. Embora o Código Florestal Brasileiro estipule a designação de Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais, elas não serão mais que fragmentos isolados se o desmatamento no Cerrado continuar em seu ritmo atual.

O modelo de desenvolvimento econômico do Cerrado está colocando pressão tanto nas comunidades locais quanto nos ecossistemas naturais, através da conversão continuada de terras para fins agrícolas e de pecuária. Os dados do MapBiomas, iniciativa que envolve uma rede colaborativa com especialistas nos biomas, usos da terra, sensoriamento remoto, SIG e ciência da computação, demonstram que 47,1% do Cerrado já foi convertido para a produção agropecuária. Este problema é exacerbado pelo fato de o Cerrado ter um dos menores níveis de proteção, com apenas 8% da superfície terrestre protegida.

A extrema riqueza biológica deste hotspot, combinada com o alarmante índice de conversão de terras na região, indica que devem ser tomadas medidas urgentes para garantir a sustentabilidade ambiental e o bem-estar das sociedades humanas.

Populações Tradicionais e Povos Indígenas

Os povos e comunidades tradicionais são oficialmente definidos como sendo grupos culturalmente diferentes que se reconhecem como tal, possuem suas próprias formas de organização social, ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição. Os povos indígenas não se sentem inteiramente confortáveis inseridos nesta ampla categoria oficial de povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares (PCTAFs), especialmente por causa da grande diversidade de identidades étnicas.

De acordo com o Perfil do Ecossistema do Cerrado, são possíveis algumas estimativas da população e do número de comunidades que desempenham papéis relevantes em funções ecossistêmicas na escala de paisagem no hotspot. Em uma população rural total de 28 milhões dentro das regiões ecossociais no Cerrado (Veja a lista das regiões ecossociais no quadro 6.1, página 75 do Perfil do Ecossistema do Cerrado), estima-se que 25 milhões de pessoas estejam envolvidas na agricultura familiar em assentamentos agrícolas e comunidades tradicionais de vários tipos. Supondo uma média de 1.000 pessoas e 250 famílias por comunidade rural, existem cerca de 25.000 comunidades locais e 6.250.000 famílias nestas regiões ecossociais. Elas são a chave para a conservação do ecossistema, uma vez que suas paisagens, ainda que fragmentadas, contêm biodiversidade considerável, sem monoculturas mecanizadas.

As maiores áreas intactas de vegetação natural no Cerrado estão em 95 terras indígenas, cobrindo 96.000 km² , 4,8% do bioma, principalmente para o norte e oeste perto da região da Amazônia. Os 44 territórios quilombolas existentes no Cerrado cobrem quase 4 mil km² e também desempenham um papel importante na proteção da biodiversidade e serviços ambientais.

Os povos tradicionais do Cerrado, geraizeiros, vazanteiros, ribeirinhos entre outros protegem o bioma colhendo seus frutos e conservando assim o Cerrado em pé. É importante reconhecer a contribuição desta forma tradicional de exploração dos recursos naturais para a conservação e sustentabilidade do território. 

Água

Os habitats terrestres e os ecossistemas no hotspot podem ser divididos em três grandes categorias: florestas, savanas e campos. Além disso, há muitos riachos, rios, lagos e lagoas de água doce, com grande variação sazonal no volume de água. Estes ambientes abrigam comunidades biológicas altamente diversas com muitas espécies únicas, que constituem um ecossistema nacionalmente vital para o abastecimento de água e energia. 

O Cerrado contém uma grande variedade de ecossistemas aquáticos naturais e sistemas específicos associados com planícies de inundação. A predominância de terras altas no núcleo da área do hotspot oferece condições para que as águas superficiais drenem para as principais bacias hidrográficas do país. A região também exerce um papel fundamental como divisor de águas, possuindo inúmeras áreas de recarga de aquíferos e grandes volumes de águas tanto superficiais como subterrâneas. É no Cerrado que se encontram as cabeceiras da maioria dos principais rios brasileiros, como o Xingu, São Francisco, Tocantins-Araguaia, Parnaíba, Tapajós, afluentes da margem direita do rio Paraná e todos os rios que formam o Pantanal. Além disso, seis das oito grandes bacias hidrográficas no Brasil encontram-se no hotspot

O Cerrado gera mais de 70% da vazão das bacias do Araguaia/Tocantins, São Francisco e Paraná/Paraguai. Em termos hidrológicos, a Bacia do São Francisco é dependente do Cerrado, que gera 94% da água superficial da bacia. A Bacia Paraguai/Paraná é outro destinatário das contribuições hidrológicas importantes do Cerrado, uma vez que, cobrindo 48% da sua área total, gera 71% da vazão média da bacia. A rede hidrológica do Cerrado fornece cerca de 14% da produção de água superficial do Brasil, mas quando a Bacia Amazônica é retirada da análise, o bioma cobre 40% da área e é responsável por 43% da produção total de água superficial restante para todo o país.

Hotspot Cerrado

Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF) utiliza um processo de elaboração de “perfis ecossistêmicos” para identificar e articular uma estratégia de investimento para cada hotspot a ser financiado ao redor do mundo. Cada perfil ecossistêmico reflete uma avaliação das prioridades biológicas e das causas subjacentes à perda de biodiversidade em determinados ecossistemas.

Entre outubro de 2014 e outubro de 2015, a Conservação Internacional do Brasil (CI-Brasil) e o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) coordenaram um processo de entrada de dados, análise e recomendações, com a participação de mais de 170 participantes de mais de 130 instituições. A informação coletada foi então sintetizada num Perfil Ecossistêmico para o hotspot de biodiversidade do Cerrado.

Como parte deste processo, foram realizadas cinco oficinas de consulta com a participação de organizações da sociedade civil, do setor empresarial e de instituições governamentais.

Essas consultas deram aos participantes a oportunidade de ajudar a identificar as prioridades de conservação e a estabelecer, juntos, um quadro estratégico para a implementação do programa CEPF de apoios para a conservação no hotspot ao longo de um período de seis anos (2016-2022).

A análise da situação ajudou a identificar prioridades de investimento divididas em direções estratégicas, que, quando associadas às áreas e corredores prioritários, fornecem uma perspectiva para o investimento do CEPF.

©Bento Viana / Acervo ISPN

Tenha acesso aos documentos que compõem o
Perfil do Ecossistema: Hostpot de Biodiversidade do Cerrado

KBAs e Corredores

Durante a elaboração do perfil ecossistêmico, as listas existentes de Áreas-Chave para a Conservação da Biodiversidade (KBAs na sigla em inglês) no Brasil e IBAs (do inglês, Important Bird Area) na Bolívia e no Paraguai foram construídas e atualizadas com os dados mais recentes disponíveis.

Esse processo teve como resultado final um mapa com as 761 KBAs no Brasil, além de uma IBA na Bolívia e três IBAs no Paraguai. Estas 765 áreas representam cerca de 60% da área do Cerrado. As KBAs na Bolívia e Paraguai gozam de certo tipo de proteção ambiental, o que significa que se considera que estas áreas-chave sofrem menos ameaças se comparadas à maioria das KBAs no Brasil, das quais apenas cerca de 10% estão protegidas.

Com base nas análises de grupos de KBAs com alta importância biológica relativa, foram identificados 13 corredores de conservação, cobrindo cerca de um terço da área do hotspot.

Cada um dos 13 corredores possui características únicas, com diferentes formações vegetais e áreas de transição, diferentes níveis de endemismo de espécies e dinâmicas socioeconômicas específicas. Cada corredor requer, portanto, uma estratégia específica e um plano de ação diferenciado para a conservação.

Investimentos no hotspot Cerrado

Os investimentos tiveram como alvo as comunidades locais de pequenos agricultores, povos indígenas e tradicionais e organizações das redes da sociedade civil.

Em contraste com o tamanho do Cerrado e a escala de ameaças que enfrenta a região, as oportunidades de financiamento para as organizações da sociedade civil que desejam se engajar nas atividades de conservação são atualmente limitadas.

O investimento do CEPF foi usado para alavancar, reforçar e ampliar as oportunidades de apoio financeiro.

As principais prioridades em termos de objetivos de conservação para o Cerrado ao longo de seis anos (2016-2022) foram:

  • evitar ou minimizar a quantidade de novas devastações de terras,
  • restaurar terras degradadas para a recriação da conectividade ecológica
  • expandir a rede de áreas protegidas

Além dos grupos da sociedade civil, o investimento do CEPF teve como alvo as comunidades locais de agricultores familiares, povos indígenas, populações tradicionais e redes da sociedade civil.

Foram priorizados o fortalecimento das associações e cooperativas de produtores, agricultores e comunidades extrativistas; a promoção da integração de cadeias de produção sustentáveis e a criação de incentivos para iniciativas empresariais sustentáveis.

O CEPF apoiou iniciativas que promoveram o diálogo e a cooperação entre as organizações da sociedade civil.

Os investimentos do CEPF no Cerrado deixaram um impacto permanente na capacidade da sociedade civil de influenciar positivamente as políticas públicas e iniciativas privadas que visam a conservação e o desenvolvimento sustentável do hotspot. Ao investir em uma das regiões mais importantes do mundo para produção agrícola, o CEPF ajudou a aumentar a eficácia e a escalada de práticas sustentáveis e de conservação.